Algumas linhas sobre o Projeto de nova Lei de Licitações
Em 10/12/2020 foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 4.253/2020 (a partir de agora, PL), que, se sancionado, revogará a Lei n.º 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações); a Lei n.º 10.520/2002 (Lei do Pregão); e a Lei n.º 12.462/2011, na parte que disciplina o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, concentrando em um único diploma legal o regramento das compras públicas nacionais.
O projeto de nova lei de licitações preserva muitas das disposições atuais sobre a matéria e consolida no texto legal diversos entendimentos do Tribunal de Contas da União. Porém, há inúmeras inovações que merecem destaque, servindo o presente texto para apresentar algumas dessas.
A primeira das inovações, e talvez mais evidente, diz respeito às modalidades licitatórias, prescritas pelo artigo 28 do PL. São extintas as modalidades tomada de preço e convite, o que revela a institucionalização do uso da modalidade pregão para as aquisições cotidianas de produtos comuns. Além disso, é criada nova modalidade: o diálogo competitivo. Esse encontra sua origem no Direito Europeu e se destina a objetos demasiado complexos, de tal forma que a própria Administração Pública não possui expertise suficiente para definir qual a melhor solução a contratar, permitindo-se ao ente público dialogar com os agentes privados para que estes, num ambiente competitivo, proponham o que entendem ser a melhor solução técnica, auxiliando a Administração a definir o objeto do futuro contrato[1]. Nesse sentido, o artigo 32, §1.º, do PL, em síntese, determina que o órgão licitante deverá divulgar suas necessidades e exigências já constatadas, fornecendo prazo para eventuais interessados apresentarem suas soluções; após o que o ente público definirá a solução que pretende contratar, licitando-a.
Outra interessante inovação é a inversão das fases licitatórias. Hoje, nos procedimentos licitatórios disciplinados pela Lei n.º 8.666/93, primeiro ocorre a habilitação dos concorrentes, verificando-se a sua conformidade com a legislação, para só depois apresentarem-se as propostas, apenas por aqueles licitantes habilitados. Porém, tal rito é extremamente ineficiente[2], razão pela qual o PL, em seu artigo 17, estabeleceu como rito comum a verificação dos requisitos de habilitação após a apresentação das propostas e lances, generalizando o que hoje só acontece no pregão e no regime diferenciado de contratações públicas.
O PL traz ainda alterações relativas à apresentação de seguro-garantia que podem ter impacto econômico direto sobre os agentes privados, devendo ser conhecidas desde já por esses. Isto porque o legislador tomou a decisão de ampliar o limite do valor do seguro-garantia a ser exigido dos licitantes. Para as obras, serviços e fornecimentos ordinários, foi mantido o limite de 5% do valor do contrato, mas permitida sua majoração para 10%, desde que previamente justificada por análise de complexidade técnica. Porém, para as obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o limite legal foi ampliado de 10% para 30% do valor do contrato. Tais mudanças estão positivadas nos artigos 97 e 98 do PL.
Depois, o PL vem tornar o desenvolvimento de programa de integridade algo de extrema relevância para os agentes econômicos que pretendam contratar com a Administração Pública, principalmente aqueles que são licitantes habituais. Isto porque a implantação de programa de integridade será obrigatória para o licitante vencedor nos contratos de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, como estipulado pelo artigo 25, §4.º, do PL; sendo que a sua implantação prévia à contratação constituirá critério de desempate, inclusive naqueles contratos em que não seja obrigatória, como decorre do artigo 59, IV, do PL.
Além destas, é possível ainda enumerar diversas outras novidades do PL: os contratos de obras, por exemplo, poderão ser executados em regime de contratação integrada ou semi-integrada, o que era proibido nos procedimentos licitatórios disciplinados pela Lei n.º 8.666/93; é também previsto um novo regime de execução de obras e serviços de engenharia, o fornecimento e prestação de serviço associado, em que o executor do projeto terá o dever de operar o equipamento, prezando pela sua manutenção, por prazo determinado; é ainda expressamente admitida a arbitragem como meio de solução de conflitos… Enfim, são inúmeras as novidades, tornando-se necessário que tantos os entes públicos licitantes, bem como os agentes privados que pretendem contratar com a Administração Pública, debrucem-se com atenção sobre aquele que deverá ser o novo marco legal dos procedimentos licitatórios nacionais.
Ednaldo Ferreira
[1] Para uma introdução ao regramento do instituto no direito Europeu: GONÇALVES, Pedro Costa. Direito dos Contratos Públicos. Coimbra: Almedina, 2018, pp. 565-567.
[2] GARCIA, Flávio Amaral; MOREIRA, Egon Bockmann. O projeto de nova lei de licitações brasileira e alguns de seus desafios. In Revista de Contratos Públicos, n.º21, setembro, 2019, pp. 40-41.