Os impactos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) sobre os contratos de concessão
O advento da Lei n.º 13.709/2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (a seguir, LGPD), traz consigo dois aspectos relevantes para os contratos de concessão vigentes no território nacional: a possível configuração de um fato do príncipe; e o uso do tratamento de dados pessoais para garantir receitas acessórias às concessionárias.
Comecemos pelo primeiro aspecto citado. O fato do príncipe, como é chamado pela doutrina do Direito Administrativo, se caracteriza pelo impacto sobre determinado contrato administrativo em decorrência da prática de atos genéricos e abstratos pela Administração Pública, como quando o Estado exerce o seu poder legislativo[1]. Por exemplo: imaginemos que o Estado celebra um contrato administrativo com o particular e, posteriormente, edita uma lei que fixa uma série de novas obrigações para este mesmo particular, tornando a execução do contrato muito mais cara do que o previsto quando da assinatura do contrato. Nestes casos, a depender da alocação de riscos, o particular terá o direito a repactuar o valor do contrato, de forma a garantir o equilíbrio entre as obrigações que assumiu e o pagamento que receberá, reestabelecendo o equilíbrio econômico-financeiro projetado quando da assinatura do contrato e alterado por fato posterior[2].
Pois bem, é plenamente possível que a incidência da LGPD sobre as concessionárias provoque um aumento das obrigações destas capaz de interferir sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, gerando um direito à repactuação do mesmo. Imaginemos uma concessionária que atue no setor elétrico. A etapa de distribuição da energia elétrica importa no tratamento de imensos dados pessoais. Assim, não seria incomum que a necessidade de adaptação da prestação dos serviços às novas obrigações fixadas pela LGPD importem um novo custo ao concessionário, cujo volume seja capaz de afetar consideravelmente o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente projetado. Caso essa interferência sobre o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente projetado se verifique, poderá existir o direito à repactuação do contrato de concessão.
Um segundo aspecto relevante, como dito, é a possibilidade de tratamento de dados pessoais, pelos concessionários, como forma de garantir receitas acessórias. Os dados representam, hoje, um importante ativo financeiro, não à toa sendo apelidados de “novo petróleo”. De forma que este potencial econômico não pode ser ignorado, inclusive porque a obtenção de receitas acessórias através do tratamento de dados pessoais pelos concessionários pode ser um instrumento para garantir a modicidade tarifária, ideia tão cara aos contratos de concessão.
Por isto, com a edição da LGPD, a doutrina[3] tem começado a se debruçar sobre a possibilidade de os concessionários tratarem dados pessoais como forma de obtenção de receita acessória mediante comercialização de informações estatísticas, por exemplo. E não apenas mediante tratamento de dados obtidos durante a prestação do serviço público concessionado, mas mesmo dados compartilhados pela Administração Pública com o fim de gerar receita acessória e promover a modicidade tarifária. Isto porque a LGPD, no seu artigo 26, §1.º, IV, prevê a possibilidade de compartilhamento de dados pessoais pelo Poder Público com particulares com fundamento em contratos.
Naturalmente, o tratamento de dados pessoais por concessionários como forma de obtenção de receita acessória deverá observar as disposições da LGPD, de forma a garantir a conformidade do diploma. Assim, será preciso observar questões como a anonimização dos dados, a obtenção do consentimento do titular, entre outros aspectos[4]. Todavia, ainda assim, configura uma oportunidade ímpar para promoção do inegável interesse público envolto em tarifas módicas.
Em resumo, a vigência da LGPD representa fato com importante repercussão sobre os contratos de concessão, os quais não podem ser ignorados pelos concessionários, tampouco pelos poderes concedentes. Primeiro porque a LGPD pode impactar negativamente sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, e um contrato marcado pelo desequilíbrio terá dificuldades em cumprir com o interesse público envolto no seu objeto. Depois, o tratamento de dados pessoais pode constituir um importante instrumento para promoção da modicidade tarifária nos serviços concessionados, favorecendo o interesse público mediante ampliação do acesso aos serviços concessionados.
Ednaldo Ferreira
[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2017, pp. 762-763.
[2] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de Serviço Público. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 327.
[3] A título de exemplo: PINHO, Clóvis Alberto Bertolini de. A utilização de dados e informações como receitas acessórias em projetos de infraestrutura: LGPD, limites e novas oportunidades. In DAL POZZO, Augusto Neves; MARTINS, Ricardo Marcondes (Coord.). LGPD e Administração Pública. Ebook. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, sem paginação.
[4] ORDUÑA, Pedro Pinheiro; ROQUE, Nathaly Campitelli; SANTOS, Bruno Damasceno. Uso compartilhado de dados pessoais e a possibilidade de geração de receita acessória: uma análise dos efeitos da LGPD sobre os contratos de concessão. In DAL POZZO, Augusto Neves; MARTINS, Ricardo Marcondes (Coord.). LGPD e Administração Pública. Ebook. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, sem paginação.