Segurança cibernética no Brasil: estamos
realmente seguros?
Clécia Cristina Galindo
No Brasil, ataques criminosos realizados no ambiente virtual, denominados de cibercrimes, têm se tornado cada vez mais comuns, fato relacionado à expansão do uso das tecnologias.
Conforme pesquisa realizada pela Febraban de Tecnologia Bancária, edição 2025[1], o volume de transações bancárias no Brasil, por meio digital (mobile ou internet banking), apresentou um crescimento expressivo nos últimos anos 4 anos, principalmente devido às mudanças decorrentes da pandemia. Somente no ano de 2020, foram contabilizadas 104,3 bilhões de transações, sendo 65% realizadas por meio de canais digitais. Em 2024, esse número ultrapassou 208 bilhões, com os canais digitais respondendo por 82% do total de operações, tendência vista também em outros setores como alimentação, e-commerce, transporte e
relacionamento.
Considerando esse cenário, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou, em 24/07/2025, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025[2], que reúne dados, de 2024, sobre a incidência de estelionatos por meio eletrônico no país. O documento revela um crescimento de 17% dos estelionatos virtuais em comparação ao ano de 2023, enquanto a edição anterior[3], já havia registrado um aumento de 13,6% em relação a 2022, apontando uma trajetória de crescimento desse tipo de cibercrime nos últimos anos.
Na mesma perspectiva, pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado (21ª edição)[4], publicada em setembro de 2024, aponta que aproximadamente 24% dos brasileiros acima de 16 anos – ou seja, mais de 41 milhões de cidadãos – foram vítimas de crimes cibernéticos, sobretudo estelionato/fraude na internet, invasão de contas bancárias e clonagem de cartão, somente entre os anos de 2023 e 2024.
Para deixar ainda mais evidente a gravidade da situação, o Relatório Global de Tendências de Fraude Digital Omnichannel TransUnion 2024[5] aponta que o Brasil registrou, em 2024, uma taxa de fraude digital em transações realizadas por consumidores de 6,1%. Esse índice supera a atual média global, de 5,4%, e coloca o país na 6ª posição entre os 18 países analisados (Brasil, Canadá, Espanha, Colômbia, República Dominicana, Hong Kong, Chile, Zâmbia, África do Sul, Ruanda, Reino Unido, Estados Unidos, Filipinas, Porto Rico, Namíbia, México, Índia e Quênia), figurando entre os mercados com maior incidência de golpes virtuais.
Percebe-se, portanto, que as mudanças de comportamento da população brasileira, notadamente a migração de atividades presenciais para serviços digitais voltados à otimização das rotinas diárias – processo intensificado pelo contexto de isolamento social vivenciado recentemente –, desencadearam o surgimento de novos riscos, materializados em modalidades de crimes que se escondem atrás dos “pixels”.
Importante destacar que atualmente o Brasil possui um interessante arcabouço legislativo referente aos cibercrimes. As normas vigentes regulam especialmente os direitos e garantias dos usuários de internet, a proteção de dados, registros e comunicações no meio virtual, bem como a forma de responsabilização por práticas danosas no ambiente digital e os mecanismos judiciais e administrativos aplicáveis. Nesse cenário, destacam-se:
a) Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil;
b) Lei nº 12.737/2012, que tipifica crimes informáticos e, assim, complementa o Código Penal;
c) Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709/2018), que disciplina a proteção de dados pessoais e da privacidade, prevendo sanções administrativas; e
13. a Lei nº 14.155/2021, que agrava as penas para os crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato quando cometidos de forma eletrônica.
Diante disso, cabe levantar a seguinte questão: por que, apesar da existência dessas normas, o número de crimes cibernéticos no Brasil tem apresentado aumento significativo ao longo dos anos?
Deve-se notar que as referidas normas possuem três principais funções: a de proteger, a de punir e a de ensinar (função pedagógica) os cidadãos brasileiros, uma vez que estabelecem limites no modo de utilização dos meios digitais, atribuem responsabilidades/sanções e destacam a importância da prudência por parte dos usuários.
No entanto, a legislação não contempla estratégias específicas para o aprimoramento e fortalecimento da infraestrutura cibernética no Brasil, tampouco mecanismos específicos e rebuscados para a investigação e repressão de crimes praticados no ambiente virtual. Assim destaca Edilson Carlos, Delegado de Polícia em Minas Gerais e especialista em Cybercrime e Cybersecurity pelo Centro Universitário Internacional Signorelli, no Brasil “tem-se ainda, como
entrave na investigação dos crimes digitais, a ausência de equipes policiais especializadas nesta área para atender o volume de demandas que chega todos os dias. Como visto, a pandemia fez com que o número de casos de crimes virtuais disparasse. O mesmo não ocorreu, contudo, em relação às unidades policiais de combate aos crimes cibernéticos, pelo menos não na mesma proporção. De igual modo, não se viu a destinação de recursos específicos para o setor, como aquisição de computadores de ponta e softwares próprios de extração e análise de dados, sobretudo nas unidades do interior dos Estados.
[…]Enquanto não forem tomadas medidas contundentes contra a criminalidade cibernética, continuaremos assistindo ao aumento no número de casos, os quais trazem graves danos às vítimas. Além disso, a descrença da sociedade em relação às instituições de segurança, causada pela impunidade que ainda prevalece em relação a tais infrações penais, não pode ser desconsiderada”[6](grifos nossos)
Tendo em vista esta realidade e a constante evolução das modalidades de cibercrimes, torna-se fundamental e urgente aprimorar toda a estrutura institucional responsável pela segurança cibernética no Brasil, a fim de garantir maior eficácia no enfrentamento das infrações virtuais. É notório que a carência de órgãos e setores públicos especializados, autoridades competentes e recursos tecnológicos adequados dificulta as investigações, contribui para impunidade e possibilita a ocorrência de mais infrações dessa natureza.
À luz dessa análise, observa-se que o combate aos crimes virtuais é complexo e exige uma atuação conjunta e coordenada entre o Legislativo, a Administração Pública — especialmente os órgãos relacionados à Segurança Pública Estatal —, o Judiciário brasileiro e a sociedade, que deve exigir do Estado maior proteção e comprometimento frente às novas demandas globais.
Ademais, mesmo diante de um cenário estrutural deficiente e em adaptação, é importante que cada cidadão, além de exigir maiores esforços dos organismos estatais, adote hábitos medidas capazes minimizar os riscos de exposição a fraudes digitais, tais como: evitar senhas fáceis e preferir combinações longas compostas por letras maiúsculas, minúsculas, números e caracteres diferentes; não clicar em links enviados por e-mail ou aparelho eletrônico que peçam algum tipo de autorização, atualização de dados pessoais e cadastro em algum site ou sistema; não realizar transações financeiras para regularizar algum tipo de cadastro, autorizar acesso a algum sistema ou estornar valores; não enviar prints ou vídeos, por e-mail, redes sociais e demais instrumentos de informação digital, que contenham dados e informações pessoais; utilizar sempre os canais oficiais das instituições públicas e privadas; conferir os dados (destinatário, data, valor etc) antes de pagar boletos, transferir valores ou fazer um Pix; não expor o número de telefone em redes sociais; ativar a autenticação em dois fatores nos aplicativos de mensagem para aumentar a segurança do acesso; e, por fim, em caso de dúvidas, consultar um advogado especializado para obter suporte e orientação adequados.
Atitudes como essas podem ser capazes de evitar a incidência de golpes virtuais e, ao mesmo tempo, de contribuir para a construção de um ambiente digital mais seguro. As ações preventivas (que devem ser observadas cuidadosamente), no contexto vivenciado, são tão relevantes quanto o fortalecimento das estruturas estatais de combate aos crimes cibernéticos, uma vez que tendem a dificultar a atividade dos criminosos.
Logo, não estamos totalmente seguros e, por isso, é fundamental a união de esforços – que envolvem a atualização constante da legislação, o aprimoramento dos órgãos públicos responsáveis pela segurança cibernética, a capacitação de profissionais na área da cybersegurança e a plena conscientização dos usuários – para que seja possível enfrentar e combater de forma eficaz os crimes realizados no ambiente virtual e, então, reduzir seus impactos na sociedade brasileira.
*Clécia Cristina Galindo é advogada do Escritório LA Advocacia e Mestre em Direitos Humanos pelo PPGDH-UFPE.
Referências
[1] FEBRABAN, Vol. 2, 2025. Disponível em: https://portal.febraban.org.br/noticia/4310/pt-br/
[2] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Disponível em: https://
publicacoes.forumseguranca.org.br/items/c3605778-37b3-4ad6-8239-94e4cb236444
[3] AGÊNCIA SENADO. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/
infomaterias/2025/04/golpes-virtuais-aumentam-e-nao-fazem-distincao-de-idade
[4] DATASENADO. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/
publicacaodatasenado?id=golpes-digitais-atingem-24-dos-brasileiros-aponta-21a-edicao-dapesquisa-panorama-politico
[5] TRANSUNION; Relatório de Tendências de Fraude Digital Omnichannel TransUnion 2024.
Disponível em: https://newsroom.transunion.com.br/brasileiros-perderam-mais-de-r-6-mil-emfraude-aponta-transunion/
[6] OS OBSTÁCULOS DA INVESTIGAÇÃO DOS CRIMES DIGITAIS. Revista Acadêmica AVANTE, v.1, n.4, 2023. Autor: Edilson Carlos Lima Correa Júnior. Disponível em: https://revistaavante.policiacivil.mg.gov.br/index.php/avante/article/download/84/54/256
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